quinta-feira, 26 de junho de 2008

Quando ando por aí, fico sempre atenta aos detalhes. Um flor que furou o asfalto, uma pipa presa nos fios, um sorvete que a criança derrama e chora.
Nessas caminhadas, ví em dias próximos uma série de animais mortos. Mortinhos da silva.
O primeiro que ví foi um pombo,encaixadinho num buraco na calçada, numa ruazinha do centro, que um amigo me contou, chamava-se rua do Tira Chapéu. O pombo morto deu até em poesia. Ele ficou ali uns dois dias, as pessoas passavam e não notavam. Paravam do seu lado, e não notavam. E os meus olhos, mesmo do outro lado da rua, insistiam em olhar. Um dia ele se foi. Não tinha mais o pombo morto, e o buraco da calçada voltou a ser buraco da calçada.
Outro dia, em pleno centro da cidade, umas onze da manhã, dei de cara com um bode, preto, grande e sem cabeça. O sangue vivo, o cheiro forte, e ao seu lado, uma bacia repleta de vermelho. Por aqui, chama-se bozó, macumba, coisa do demo. Eu, que quase tropecei no bode, fiquei incrivelmente tentada a olhar. E olhei mais uma vez, para me certificar de aquilo era real.
Numa noite, ví um rato morto. Fazia frio, o chão estava molhado e numa valinha, quase na esquina, o rato estava morto. Duro e com patinhas duras. Os olhos não: esses estavam bem abertos, querendo pegar a última cena do filme que se gosta. Não ví o que aconteceu com o rato. Deve ter ido embora, junto com os outros tantos que morrem todos os dias.
Bem, antes que alguém pense que sou uma azarada, dia desses, numa noite também fria, molhada e um pouco vazia, eu ví uma coruja, enorme, de asas brancas, sobrevoar a praia da Paciência. Deu para ver ela indo até longe, sumindo ao pouquinhos. Sorrí e me lembrei dos outros. Sorrí de novo. Ela estava viva.

*

5 comentários:

James Martins disse...

não há veredito que se dê.
fica o veredito pelo não dito.
já descri da humanidade.
mas acredito.

ps: adorei este texto mariana.

Raquel Maciel disse...

eu gosto daqui. vou colocar vc pra ser minha vizinha.

João disse...

muito gostoso! Tratando da morte de um modo muito gostoso!

e.m. disse...

Onde moro, passa-se a linha do trem. Às vezes encontro nas encruzilhada dos trilhos uma tigelinha de barro com uma galinha preta depenada, às vezes com uma cabeça de bode. Sempre que vejo, peço licença por 3x vezes, olho bem e depois sigo o caminho. A licença é superstição mesmo. O olhar é apreciação. Seguir o caminho é obrigação.

Adorei o texto..

SOM DO ROQUE disse...

parabéns pela poesia implícita no texto... essas coisas que estão por aí, no dia a dia, quando descritas, nos parecem até surreais... com a "realidade" dá pra fazer muita "arte"... li várias coisas por aqui e gostei... virei mais vezes... ah, eu tenho um blog. é o somdoroque.blogspot.com , quando pude visite-me e se gostar coloca ele aí do seu ladinho... abraxxxxxxxxxxxxxxxx, alto astral, som do roque