terça-feira, 23 de setembro de 2008

Aproveitando o embalo...

A primavera chegou. Aqui em Salvador, onde as árvores dão mais frutos do que flores, só percebe quem é mais atento. Eu, por exemplo, me dei conta de que o centro estava todo coberto de folhas. Os cantinhos das ruas estavam cheios de folhas amarelinhas. Soprava um vento e elas voavam, ou caíam em cima das pessoas que cruzavam o caminho. Uma beleza!

Eu, que tenho andando com minha câmera compacta e analógica, tenho fotografado muito o movimento do centro. As miudezas, os pequenos acontecimentos. Na primavera, isto é ótimo de se buscar. Não é como no verão, onde tudo fica escancarado, exposto. Agora é tudo sutil, o sol brilha forte, mas não queima tanto. Os dias são mais frescos, e há uma luz tão bonita nas manhãs! E sim, há algumas árvores que dão flores (tem um pé de jambo na Ufba, um flamboyant vermelho aqui na rua e uma árvore em frente à praça Castro Alves, que quando florida, é uma das coisas mais bonitas de se ver por aqui).
Ah, como eu adoro a primavera!

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Só quem esteve na frente de um analista sabe o quanto é difícil. Tudo é difícil, inclusive achar um(a) que combine com você. É mais difícil do que achar namorado. Não basta o analista ser bonito, falar bem e lhe dar lencinhos para enxugar as lágrimas. Tem que haver uma espécie de química, se é que vocês me entendem.

Já passei por vários tipos. Comecei com uma terapeuta, que me mandava esmurrar almofadas. Me sentia ridícula. Psicodrama Mariana, me disse um tempo depois um amigo psicólogo. Drama demais para mim. Outra tentativa: consultório muito escuro. Não gostei da cor do cabelo dela. Mais uma: psicoterapia. Dessa vez, não precisei esmurrar almofadas, mas tinha que escutar ruídos esquisitos num fone (tipo tum tum tum tum). Ele: e aí, o que você sentiu? Eu: han? Não foi dessa vez.
Outra tentativa, desta vez, análise (Freud e coisa e tal). Que azar, o analista era meu conhecido! Deixei de lado e esqueci dessa história de me analisar, divã, murros em almofadas e ruídos non sense.

No entanto, há mais ou menos um mês e pouco, voltei a tentar. E dessa vez, funcionou! Encontrei uma analista perfeita: bonita, cor de cabelo aceitável e uma voz muito interessante. Gosto de ir conversar com ela, devo adimitir que estou até um tanto viciada. Mas, como todo namoro, a análise, nos primeiros dias é uma maravilha! Depois é que entra a famosa Dr, os complexos, os conflitos que nem você mesmo sabia. Saí de lá, algumas vezes, me sentindo uma mosca diminuta. Uma gota. Um ser muito pequeno. E, ao contrário do namorado, não há beijinhos para sarar. Muito sarcástica, a minha analista bonitona me disse: peguei pesado com você hoje, hein? Sim, pegou. Pensei até em não voltar. Mas na semana seguinte, ó eu lá de novo: e aí Mariana, o que você me conta hoje? E eu, que sempre vou com um texto pronto, me esqueço tudo na hora e literalmente, improviso a minha própria vida. Fascinante.
Estou gostando da experiência. Não penso em parar tão cedo. Se alguém aí tiver uma experiência com analistas, psicoterapeutas e afins, compartilhe comigo (e me empresta um livro do Freud!)!

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segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Há certas mágoas que não se curam. Há certos desejos que não se apagam. Também há certos amores que nunca se esquece e músicas que sempre serão ouvidas.
Há poesias que jamais deixarão de ser lidas, há proibições que frequentemente serão transgredidas e há pessoas que nunca serão entendidas.
Há amigos que não serão esquecidos, há lugares que nunca foram vistos e também há os precipícios.
Há o passageiro que nunca saberei o nome, há aquilo que me arrependerei, e também os dias em que eu amei.
Há a solidão, há a multidão e mais importante, há o dia em que não quero ser nada.
Há o tudo, e porém.

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quinta-feira, 3 de julho de 2008

Fui chamada, há uns dias atrás, para fotografar um parto. Ia ser em casa e na água. Imaginem a minha excitação, ver um bebê chegar ao mundo, do modo in natura, e além disso, eternizar o momento exato em que despertará do lado de cá. Emoção geral.
Pois bem. Conheci o casal naquele mesmo dia. Me surpreendi com tudo: eles eram de uma tranquilidade imensa, eu, longe de estar grávida, estava mais ansiosa do que os dois. Tudo estava lindo e preparado para chegada do bebê, que eles, contrariando todas as modernidades, não sabiam o sexo. A casa cheirava a um incenso bom, uma música suave tocava e a futura mamãe, de uma beleza pura, se preparava para o momento.
Aprendi muito naquela noite. Mais do que eles possam imaginar. Aprendi que algumas dores são necessárias, há que se passar por elas. Aprendi que amor bom é amor compartilhado, doado e dividido. Aprendi que não podemos controlar o fluxo da vida, algo do tipo não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. A vida é líquida! O tempo é mesmo uma criação do homem: a natureza segue um outro fluxo, muito mais sutil e tão mais bonito!
Acabou que pelos revezes da vida, o parto não pôde ser na água. Mas a criança nasceu. Linda, uma menina, que ganhou o nome mais lindo, inspirado, vejam só pelo Guimarães Rosa: Cora. A menina coração.
Linda, vermelha e viva, pronta para pulsar no mundo.


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quinta-feira, 26 de junho de 2008

Quando ando por aí, fico sempre atenta aos detalhes. Um flor que furou o asfalto, uma pipa presa nos fios, um sorvete que a criança derrama e chora.
Nessas caminhadas, ví em dias próximos uma série de animais mortos. Mortinhos da silva.
O primeiro que ví foi um pombo,encaixadinho num buraco na calçada, numa ruazinha do centro, que um amigo me contou, chamava-se rua do Tira Chapéu. O pombo morto deu até em poesia. Ele ficou ali uns dois dias, as pessoas passavam e não notavam. Paravam do seu lado, e não notavam. E os meus olhos, mesmo do outro lado da rua, insistiam em olhar. Um dia ele se foi. Não tinha mais o pombo morto, e o buraco da calçada voltou a ser buraco da calçada.
Outro dia, em pleno centro da cidade, umas onze da manhã, dei de cara com um bode, preto, grande e sem cabeça. O sangue vivo, o cheiro forte, e ao seu lado, uma bacia repleta de vermelho. Por aqui, chama-se bozó, macumba, coisa do demo. Eu, que quase tropecei no bode, fiquei incrivelmente tentada a olhar. E olhei mais uma vez, para me certificar de aquilo era real.
Numa noite, ví um rato morto. Fazia frio, o chão estava molhado e numa valinha, quase na esquina, o rato estava morto. Duro e com patinhas duras. Os olhos não: esses estavam bem abertos, querendo pegar a última cena do filme que se gosta. Não ví o que aconteceu com o rato. Deve ter ido embora, junto com os outros tantos que morrem todos os dias.
Bem, antes que alguém pense que sou uma azarada, dia desses, numa noite também fria, molhada e um pouco vazia, eu ví uma coruja, enorme, de asas brancas, sobrevoar a praia da Paciência. Deu para ver ela indo até longe, sumindo ao pouquinhos. Sorrí e me lembrei dos outros. Sorrí de novo. Ela estava viva.

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quarta-feira, 25 de junho de 2008

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eu devia estar escrevendo sobre Antropologia, mas quero tanto uma poesia!

quarta-feira, 11 de junho de 2008

. Irina .

O táxi percorreu as úmidas ruas daquela noite num ritimo lento. As janelas embaçadas turvavam as luzes das vitrines que luziam sobre os corpos das damas da noite. No rádio tocava um samba antigo, do tipo que não se faz mais. É neste cenário que Irina está. É neste cenário que Irina chora.

Pára, diz ela ao taxista. É aqui que vou ficar. O lugar é uma das muitas ruelas do centro da cidade, cheirando a mijo e a restos de animais,indiferente, ela acende o último cigarro que encontra no fundo do seu casaco herdado. Sobe as escadas com dificuldade. Quase três da manhã e ela chega ao seu apartamento, dono de um amarelo melancólico. Não quis mudar a cor. Gosta de amarelos melancólicos.Tirou as botas pesadas e se jogou no sofá, velho, sujo, mas vermelho, presente de um amigo que saiu pelo mundo e nunca mais voltou. Por isso o sofá ainda está lá, no canto do apartamento, carregado de marcas, cheiros, suores que nunca irão sair. Ela sabe e gosta disso.

Nem sempre foi assim. Gostava de lençóis brancos cheirando a lavanda. Gostava de verde, raramente optava pelo amarelo. Era a cor de que ele mais gostava, o verde.
Vestia verde na noite em que tudo aconteceu. Lhe deu uma flor e lhe disse: vou.
E foi embora, deixando lençóis brancos, lavandas e todos os outros verdes que ele lhe ensinara a amar. Irina percorreu todas as ruas, seguiu todos os cheiros, ouviu os murmúrios de todas as cores. Nunca conseguiu encontrá-lo. Como não podia mais voltar, saiu pelas ruas. Aderiu a uma vida errante. Esqueceu de todos os cheiros que lhe traziam de volta a ele. Encontrou um apartamento abandonado e decidiu ficar. Quis estar com algo que também foi deixado, com as lembranças que o lugar trazia nas cortinas empoeiradas, nas janelas quebradas e no insistente amarelo melancólico que a parede afirmava todos os dias.
Apesar de tudo, Irina fez da noite de um outro a mais feliz. Andrei. Ela não sabe disso. Mas eu sei, ele sabe e você também sabe.

Eles irão se encontrar novamente. E desta vez, fará um lindo sol de domingo.

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sexta-feira, 21 de março de 2008

. Andrei .

Era quase meia noite, mas a luz do escritório de Andrei ignorava o horário. Preciso terminar esta droga de relatório, pensou Andrei, enquanto caminhava à máquina de café, amiga fiel e companheira dos seus momentos mais solitários.
Fazia um vento frio que vez ou outra, entrava de assalto e fazia os pápeis dançarem estranhamente, sobrevoando a cabeça do já cansado funcionário. Que se dane, vou me embora. Calçou as botas, se meteu num agasalho gasto e se lançou ao corredor, repleto de luzes frias e de um silêncio quase constrangedor. Elevador quebrado, droga de edifício velho, de modo que teve que descer as escadas, cerca de dez andares. Toc. Toc. Toc. Tocavam as botas velhas de Andrei, já impaciente em chegar logo à rua.
Fazia frio e a rua estava quase deserta. Havia um táxi na esquina e algumas prostitutas, à espera do gozo que se verte em dinheiro, mas Andrei prefiriu caminhar e há muito não sabia o que era o corpo de uma mulher. Não fazia muito, cerca de uns meses, sua mulher o largou para ficar com o Raul, algun anos a menos e algumas cifras a mais. Cest la vie.
E foi caminhando. Caminhando. Até o momento em que foi inesperadamente agarrado por uma mão. Silêncio. É agora, vou morrer. Fique quieto. Me dá seu sexo. Han? Me dá seu sexo imbecil.
Pela textura das mãos, não havia dúvida: era uma mulher, ofegante, que procurava deseperadamente o membro em repouso de Andrei. Abriu as calças e meteu-lhe a mão. E beijou o membro deliciosamente, demoradamente, ele estava prestes a explodir. Ainda não, disse ela. Eu quero te comer. Sádica e selvagem a misteriosa fêmea noturna.
Abriu as pernas e se fez penetrar por Andrei. E ela gemia, e se agarrava na parede e falava uma língua incompreensível. Andrei, atônito, nada entendia. Mas sentiu as mãos quentes da moça, sua língua macia, seu perfume de mulher, o seu sexo úmido. Queria ver aquela mulher, mas não havia luz. Era tudo escuro.
Quando tudo se deu por terminado, a fêmea disse: agora vá. Cruel e impiedosa, saiu pelo beco escuro deixando Andrei lá, jogado no canto e sem compreender quem era aquela mulher que havia lhe devolvido a vida.
Se ajeitou, pegou o casaco que foi arremessado num canto e se pôs a caminhar de volta para casa, pensando em dar mais horas extras e de como a madrugada tinha um bom ar. Ah, como ele adorava a noite!
Enquanto isso, na esquina seguinte, uma moça acabava de entrar num táxi. Era Irina, e seus olhos estavam cheios de água. Irina acabara de fazer sexo com um estranho e tinha os olhos carregados de melancolia.
Irina, a fêmea cruel. Irina agora chora.

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A continuar.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

. esbarrando em Caetano .

Eu sou anti paga pau, mas tenho que confessar: paguei pau pro Caetano.

Há um tempo atrás, fui numa festa ( Baile Esquema Novo, recomendo), cheia de gente, música alta, era o primeiro baile, quando alguém falou: o Caetano está aí, tititata, coisa e tal. Ainda não tinha visto e fui ao banheiro, que estava incrivelmente vazio. Lá estava eu, me olhando no espelho quando a porta se abriu: Caetano, que manhosamente me perguntou: esse banheiro, é de menino ou de menina? Não me amarra dinheiro não, você foi mó rata comigo, i am alive, rio, eu quero suas meninas, lua de são jorge, puta que pariu Caetano como você escreve bem, respondi: de menino e de menina. Ele sorriu e seguiu para uma cabine total flex.
Saí do banheiro pensando, porra, nem agradeci ao Caetano pelo Transa.

Muito tempo depois, estava em outra festa ( Nave, recomendo), cheia de gente, música alta, quando alguém falou: O Caetano está aí tititata, coisa e tal. Dessa vez, encontrei ele sentadinho num canto, todo miudinho, cochichando no ouvido de alguém. Pensei, vou lá falar com ele. E fui. Dei uma batidinha no ouvido dele e larguei: Caetano, quero lhe agradecer pelo Transa ( quem não conhece, ouça urgentemente!), me faz muito feliz, e aos meus amigos também. Ele: obrigada, sorrindo, eu também gosto muito do Transa, fico feliz em saber. Sorrimos um ao outro e fui embora.

Tietei mesmo, confesso. Mas fazer o quê, se o cara é genial mesmo? Agora, tô na expectativa de encontrar o Gabriel Garcia Márquez para dar um beijo nele ( sim, ele merece mais tietação) por Cem Anos de Solidão e O Amor nos tempos do cólera.

(Vai ser mais difícil, Garcia Márquez não tem cara de frequentador de festa indie).

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. Frevo sonhando com queijo .

Passei o carnaval no Recife, como de costume. Desta vez, levei meu namorado a tiracolo. No Recife, os confetes caem do céu logo após do Natal e mesmo com o término oficial da folia, tem um monte de ressaca, de comemorações, de forma que ou se cai no frevo ou seu destino é ser um exilado vítima da ditadura de momo.

Bem, chegamos, nos instalamos e fomos conferir o Recife Antigo, um monte de gente na rua, um tanto de troças tocando frevo e maracatu, expressões felizes de quem esperou por este momento por toda uma vida. Nós pulamos, forçamos um astral carnavalis, mas não adiantou: no dia seguinte, sexta-feira, ignoramos a abertura oficial do carnaval e fomos pro boteco mais próximo tomar cerveja e comer queijo coalho. Pairava no ar algo do tipo, ih, erramos o destino, mas tudo bem. Com muito esforço, fomos para Olinda no dia seguinte, mas, definitivamente, nosso espírito estava mais para um cantinho, um violão do que para um frevinho, pegação. Chegamos arrasados e concluímos que deveríamos ter ido era para Minas, comer queijo, tomar banho de cachoeira, pegar algumas festinhas nortunas e só. Nossa folia estava pedindo arrêgo, literalmente.

No entanto, soubemos nos divertir sim. Para nossa sorte, o carnaval de Recife é bem tranquilo, com vários pontos de refugio e com o Recbeat, onde se pode ouvir coisas diferentes e nada carnavalescas: ouvi o Móveis Coloniais de Acaju e adorei, bem dançante, divertido, pra cima, com direito a banho de chuva e rodinha coletiva. Ouvi o Pato Fu (que foi legal, não tanto por eu estar doente em razão da chuva dos Móveis), Lucy and the Popsonics (que eu não gostei, show fraco e com as pessoas reclamando), uma orquestra argentina tocando tango, muito boa, mas inapropriada para o carnaval (estar sentado ia cair bem). Também foi massa o show de Lenine ( apesar de eu não gostar muito) e Milton Nascimento será sempre Milton Nascimento (ó, Minas Gerais!). O pós carnaval nos rendeu banho de mar em Porto de Galinhas (não recomendo) e Maracaípe, idas aos Museus dos primos Brennand e à casa de Gilberto Freyre, cervejinha no antigo e gastação de tempo com um jogo de palavras cruzadas.

No mais, Recife sempre será Recife, e eu sempre vou querer voltar ( mas não antes de ir em Minas, São Paulo, Pará,...).

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