sábado, 17 de novembro de 2007

. os fantasmas de minha avó .


É interessante quando conseguimos reconhecer o nosso medo, reconhecer esse monstro de asas que se esparrama dentro de nós e coloca o coração é um lugar não-comum, saltando à boca.

Sentada na sala, junto a minha vó, me debrucei sobre pilhas de fotografias antigas, de um preto e branco resistente às folhas do tempo e de histórias que, para minha avó, acabaram de bater a porta e foram para a rua. Me dei conta de um certo caráter fantasmagórico que a fotografia encerra: as pessoas mudam, envelhecem, morrem, e ao mesmo tempo continuam ali, jovens, iguais e vivas, nas fotografias antigas que minha vó guarda em muitas caixas. E ela ia me contando: esse daqui era irmão do seu avô, essa daqui era minha amiga de escola, aquele lá está doente, ah, essa daqui fez 80 anos mês passado! Essa sou eu, com 13 anos, quando a Manoel Dias era toda uma praia. Ó, essa minha amiga morreu aos 26 anos, tão novinha... E vou sendo consumida por um misto de alegria e medo, muito medo. Fico pensando, um dia serei eu a olhar as minhas fotos antigas e a chorar pelos que já se foram, a rir das festas de carnaval, a folhear a minha junventude com mãos rugosas, vividas pelos anos que não voltam mais. Senti medo desse poder da fotografia, de nos levar a cheiros que não podemos mais sentir, a sorrisos que não podemos mais dar, a pessoas que não podemos mais tocar.

E enquanto minha vó ia me contado os fragmentos retratados da sua vida, eu ia sendo tomada por uma melancolia absurda, mas não conseguia parar de olhar as fotos, estava presa àquelas estórias, àquelas dedicatórias no fundo das fotos, e como não pude deixar de olhar, me calei e acompanhei a mãe da minha mãe no redescobrimento dos seu fantasmas ainda tão vivos.

*

Foto: a mãe da minha mãe. (por Mariana David).

Um comentário:

joaommeirelles disse...

engraçado, tenho sempre a impressão de morte com fotos antigas, pessoas estando vivas ou não.
Não me assusta morrer ou envelhecer, não agora. Como fotógrafo, sinto a fotografia com certo asco do que ela é capaz. Talvez isso ajude no futuro.