quinta-feira, 1 de novembro de 2007
. rios, pontes e overdrives .
A primeira vez que pisei no Recife foi há um ano atrás, dias antes do início do Carnaval e tendo apenas como referência as músicas do Chico Science sobre a cidade que, só depois de estar lá, fui entender porque ele a chamou de manguetown.
Fui recebida no aeroporto por um grupo de pessoas dançando ao som do frevo, e uma figura chamativa, com uma espécie de peruca colorida e óculos escuros (o caboclo de lança, dos tradicionais maracatus rurais). Tinha chegado, finalmente, a Pernambuco.
Bati muita perna pelas ruas do Recife. Dei sorte, pois me instalei num apê muito legal, bem no centro e pertinho das melhores coisas a serem vistas. Este apê pertencia a três amigos, que conheci em Salvador mesmo, e prontamente me receberam de braços abertos ( amigo queridos, amigos amados).
Não há nada melhor do que caminhar por uma cidade que não se conhece: cada esquina é uma surpresa, cada cantinho revela um novo olhar, um novo sabor, o sotaque é algo genial (adoro sotaques, todos eles, sem exceção) e o cheiro, ah o cheiro. O cheiro do Recife é bem característico: mangue, cheiro de lama! Existem inúmeras pontes no Recife, e elas passam bem acima do rio Capibaribe, que apesar de ter sido praticamente destruído pela urbanização desenfreada, conserva ainda um restinho de mangue, em pleno centro da cidade. O centro do Recife é parecido com o de Salvador, mas ao mesmo tempo, bem diferente. Enquanto que minha cidade corre por becos, ruas estreitas, as de lá são maiores, mais amplas. O centrão é como uma mistura do Comércio com a Avenida Sete: prédios imensos e um monte de gente nas ruas, fazendo de tudo. A confusão sonora impera, ouve-se de Chico ao brega (ritimo forte na terra), podendo-se, inclusive, se escutar um axé em algum carrinho de som que vende cds piratas ( o axé chegou lá com força, mas é proibido no Carnaval).
O carnaval do Recife é uma coisa maravilhosa: eu, que há anos boicotava o carnaval baiano e me refugiava em ares mais mansos, redescobri a delícia do que é a verdadeira festa de rua. Lá, o carnaval ocorre por toda a cidade, desde o Recife Antigo, até a periferia, onde, inclusive, alguns dos grandes nomes da música brasileira e pernambucana, tocam pro povo e sem frescura. Genial. Não ví nenhuma briga, ou confusão, apesar das ruas lotadas de gente, homens, mulheres, crianças, bichas loucas, modernetes, senhoras de idade, todos juntos, dançando frevo, arriscando no maracatu, fantasiando-se, num mundo cada vez mais sem fantasia. Vale mencionar que é tudo de graça minha gente, sem cordas, sem camarotes elitistas esmagando o povo e a tradição de se brincar na rua. É só chegar e se jogar.
Descobrí muita música boa no Recife, além de Nação Zumbi ( que são muito queridos e respeitados pelos pernambucanos), Mundo Livre S/A e Otto: Siba e Fuloresta do Samba, Mestre Salustiano, Maciel Salu, Lia de Itamaracá, Coco de Arcoverde, muita coisa de raiz, som fino e de qualidade. Recife é coisa boa de se ouvir.
Há ainda a parte mais tradicional do carnaval, que ocorre na Zona da Mata, com as folias dos Maracatus Rurais, Caboclinhos, Cavalo Marinho, tanta coisa, dança, música, respresentação, cultura popular resistindo e se recriando aos ditames do tempo. Ano que vem, meu destino é certo: vou desbravar a nobreza que vem da mata.
O Recife é meu segundo lar, onde fiz amigos verdadeiros, onde me reconheci, onde me apaixonei.
Eu também estou enfiada na lama.
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Foto:andando em coletivos e becos (por Mariana David).
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Um comentário:
"...se o asfalto é meu amigo eu caminho, como aquele grupo de carangueijos ouvindo a musica dos trovões..."
Junto contigo, toda suja de lama...
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