sábado, 25 de agosto de 2007

. das pessoas, e outros bichos afins .



Quando caminho pela rua, nutro uma especial tara em observar as pessoas. Sou praticante de um voyerismo declarado, a céu aberto e com luz do sol na cara. As pessoas, na correria obediente do que chamam de dia a dia, quase não me percebem. Aliás, posso estar também sendo observada, ter um olho mirado nas minhas estranhezas, ser o ratinho de laboratório no concreto solitário em que vivemos.


Gosto, ao esperar o sinal amigo do semáforo vermelho, de ver as pessoas esperando o momento para cruzar a rua. Gosto de ver um rapaz, roupinha de futuro executivo, mp3 devidamente ativado, conter o prazer de estar ouvindo uma música que só toca pra ele (e fico morrendo de curiosidade de saber o que se está ouvindo, o prazer quase escorrega para além fones de ouvido). As pessoas se tocam, no que eu chamo de dança dos inconscientes: as pessoas se veem, mas é como se estivéssemos todos imersos na solitude, num monólogo de mudos. Mas a cidade continua, esparramando suas cores confusas, suas esquinas delirantes, sua voz que não se faz ouvir, mas que ao mesmo tempo, nos deixa surdos.


E olho as pessoas: o casal de namorados que se beija na rua, a tia entediada num engarrafamento caloroso, os olhos de uma criança pelo vidro traseiro do carro (crianças são as mais pura forma de voyerismo: abstração do olhar), eu, tentando compreender tudo e chegando à conclusão de que é tudo muito maluco, doido mesmo, para que eu possa continuar a olhar. Mas acabo olhando, tentando descobrir porque a mocinha chora, porque o senhor de chapéu e barriga avantajada gargalha na saída da padaria. E o que, meu deus, o que aquela pessoa está fazendo no meio das pedras da praia de Ondina: palestrando com formigas?


Não tem jeito. As pessoas devem ser olhadas, capturadas. Estamos todos sujeitos às perversões e às loucuras de voyeurs descontrolados como eu.

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Foto: Vale do Capão, por Mariana David
( porque eu também me canso de olhar).

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